terça-feira, 10 de junho de 2014

Teoria dos Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos: Algumas Discrepâncias entre Brasil e Alemanha.

Recentemente conclui como aluno especial uma disciplina de mestrado em uma área totalmente alienígena para mim, porém como fruto do meu trabalho final saiu algo que combina obviamente coisas sobre as quais eu penso e um dialogo nesse âmbito entre a pátria em que nasci e a que me adotou.  


Teoria dos Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos: Algumas Discrepâncias entre Brasil e Alemanha.

No Brasil, o descumprimento de diversos direitos fundamentais torna necessária a interferência do judiciário para que os cidadãos tenham acesso a condições básicas, principalmente no que se refere a saúde, educação de qualidade e moradia. Assim, pretende-se estabelecer um dialogo entre a Teoria dos Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos, previstos na Declaração Universal. 
            Entretanto, é importante salientar que não seria possível compreender os direitos humanos e os direitos fundamentais sem contextualizar com a história, pois estes não surgem aleatóriamente, como uma descoberta repentina de uma sociedade, ou de indivíduos, mas sim foram construídos ao longo dos anos, principalmente a partir das lutas contra determinadas formas de poder (SIQUEIRA; PICIRILLO, 2009).
            Mas estre processo só foi possível, segundo Cunha (2014, p. 3) por:

“O debate constitucional do pós Segunda Grande Guerra tem focado sistematicamente a necessidade de proteção da pessoa humana e da dignidade a ela inerente. Em razão disso, as Constituições que surgiram a partir da segunda metade do século XX têm se preocupado em proclamar um Estado Democrático de Direito, construído a partir dos valores “dignidade da pessoal humana”, “cidadania”, “direitos humanos” e “bem-estar social”. Nesse passo, as Constituições contemporâneas acabaram por regular o próprio fenômeno político, estabelecendo as prioridades políticas do Estado e vinculando os programas estatais à consolidação daqueles valores.”

            Assis (2012) mostrou uma opinião similar neste caso, pois para este ocorre que importantes transformações econômicas e sociais alteraram profundamente o quadro em que se inseria o pensamento liberal. Nesse contexto, surgiu o Estado do Bem-Estar Social, tendo como caracteristicas ações positivas e intervencionistas. Consagraram assim, os direitos que consistem em direitos econômicos, sociais e culturais. Bonavides (2010 também acredita que o liberalismo dificultava a questão dos direitos fundamentais, pois “ Sua filosofia de poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando uma falsa despolitização da sociedade.”
            Sobre a questão dos direitos fundamentais, a principio pode se relacionar com estas questões no recorte seguinte.

A ligação primordial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, nos seus teores históricos e filosóficos, demonstrará a pertinência desses direitos, ao qual são inerentes da pessoa humana delineando toda sua universalidade como ideal. (HUMENHUK 2002, p. 1,2)


            Nos dias atuais, segundo Humenhuk (2002) estamos vivendo uma linearidade em nosso país, a globalização da política neoliberal. A globalização do modelo neoliberal, que se marca pela globalização econômica, vem a causar enorme impacto nos direitos fundamentais.
Assim, globalizar os direitos fundamentais, configura a universalização dos mesmos para que os direitos da quarta geração atinjam sua objetividade como nas duas gerações de direitos anteriores sem destituir a subjetividade da primeira geração para a consecução de um futuro melhor, sem deixar de ser uma utopia o seu reconhecimento no direito positivo interno e internacional. (HUMENHUK, 2002, p. 10)

Os direitos fundamentais vêm sendo sedimentados ao longo do tempo. O seu progressivo reconhecimento consiste num processo cumulativo, de complementaridade, não havendo supressão temporal de direitos anteriormente reconhecidos.
A história dos direitos humanos – direitos fundamentais de três gerações sucessivas e cumulativas, a saber, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos – é a história mesma da liberdade moderna, da separação e limitação de poderes, da criação de mecanismos que auxiliam o homem a concretizar valores cuja identidade jaz primeiro na Sociedade e não nas esferas do poder estatal (BONAVIDES, 2000, p. 528).

Os Direitos Fundamentais, em ótica clássica, consistem em ferramentas de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado. Sistematizados na Constituição da brasileira de 1988, há aqueles que se limitem aos elementos de seu artigo 5º, no qual se prevê os direitos e deveres coletivos e individuais. De certa modo, ali se descreve um vasto numero de Direitos Fundamentais, mas a isso não se restringem, e nem sequer à Constituição Federal ou à sua contemporaneidade (PFAFFENSELLER, 2007). Porém nas palavras de Dirley da Cunha Júnior, (2010, p. 533) “é inegável que o grau de democracia em um país mede-se precisamente pela expansão dos direitos fundamentais e por sua afirmação em juízo”. O que torna impossível dissociar democracia e efetivação dos direitos fundamentais, pois estes devem ser considerados o núcleo da democracia constitucional. 
A Constituição de 1988 avançou muito em relação aos direitos sociais. Pondo fim a uma discussão doutrinária estéril, inseriu os direitos sociais no título II que trata dos direitos fundamentais, não deixando mais qualquer dúvida quanto à natureza destes direitos: os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais, com força normativa e vinculante, que investem os seus titulares de prerrogativas de exigir do Estado as prestações positivas indispensáveis à garantia do mínimo existencial. (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 722)
Entretanto se colocarmos os Direitos Fundamentais em uma perspectiva histórica a sua definição fica mais complexa, Pfaffenseller (2007, apud BOBBIO, 1992) aponta quatro dificuldade essa forma de definição. A primeira delas seria: o fato de que a expressão "direitos do homem" é difícil de definir, pois seu conteúdo é esvaziado, além de intro introduzir termos avaliativos, os quais podem ser interpretados de acordo com a ideologia daquele que os interpretará.
“A segunda dificuldade consiste na constante mutabilidade histórica dos Direitos Fundamentais” (PFAFFENSELER, 2007 apud BOBBIO 1992). Os  direitos se modificaram ao longo do tempo e ainda se modificam, pois os contextos históricos são determinantes para os interesses da sociedade vigente e também para as suas necessidades. O que faz dos direitos serem relativos, de acordo com o seu tempo, não sendo lhes cabido a atribuição de um fundamento absoluto.
A terceira dificuldade apontada por Pfaffenseler (2007 apud BOBBIO, 1992) seria a complexidade na definição de um fundamento inquestionável, ou seja absoluto, para os Direitos Fundamentais é a questão de sua heterogeneidade, em outras palavras, se trata da existência de direitos multiplos que eventualmente até mesmo se tornam conflitantes. Determinados Direitos Fundamentais acabam sendo até mesmo atribuídos a diferentes categorias, enquanto outros se tornam válidos a todos os seres humanos.
“A última dificuldade apontada por Bobbio (1992) consiste na existência de Direitos Fundamentais que denotam liberdades, em antinomia a outros que consistem em poderes. Os primeiros exigem do Estado uma obrigação negativa, enquanto os segundos necessitam de uma atitude positiva para sua efetividade. Assim, é impossível verificar a existência de um fundamento absoluto idêntico para ambas as espécies, não havendo como construir um liame entre direitos antagônicos, pois, segundo Bobbio, "quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos." (Pfaffenseler 2007, apud BOBBIO, 1992, p. 21)

Para Roberty Alexy (211) As normas de direito fundamental são comumente caracterizadas como “princípios”, entretanto, podem ser consideradas como regras ou princípios. Segundo o mesmo autor “as normas de direitos fundamentais podem ser estatuídas de duas formas: como regras ou princípios. Entretanto, só adquirem o caráter de regra e princípio, quando forem construídas de forma a que ambos os níveis sejam nelas reunidos” (2011, p.141). Entretanto Alexy faz diversas críticas a questão das regras e princípios que formam as normas de Direitos Fundamentais, mas concluí arrematando:

Um modelo adequado é obtido somente quando às disposições de direitos fundamentais são atribuídos tanto regras quanto princípios. Ambos são reunidos em uma norma constitucional de caráter duplo (ALEXY, 2011, p. 144).

Não seria incomum notar a dificuldade de separar a questão dos direitos humanos, do que foi dito anteriormente sobre os direitos fundamentais, sobre isso Siqueira e Piccirillo (2009) fazem está observação, que embora alguns teóricos possam entender que os direitos humanos e os direitos fundamentais sejam sinônimos, existem entre elas algumas diferenças sendo necessário conceituar cada uma delas para então chegar-se as suas diferenças. Enquanto os direitos fundamentais nascem a partir do processo de positivação dos direitos humanos, a partir do reconhecimento, pelas legislações positivas de direitos considerados inerentes a pessoa humana, embora os direitos humanos sejam inerentes a própria condição humana seu reconhecimento, sua proteção é fruto de todo um processo histórico de luta contra o poder e de busca de um sentido para a humanidade (SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009).
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.  (CANOTILHO, 1998, p. 259).

Para que houvesse uma maior consistência de quais pontos constituiriam os direitos humanos foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
da  Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que consiste em 30 artigos que reunem os principais direitos conquistados.
Apesar da existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assim como a Constituição Brasileira, mesmo gozando de ser relativamente nova e ampla, é perceptível que como outros inúmeros países não garante condições básicas de sobrevivência a sua população em muitos aspectos. No Caso do Brasil, este fato é perceptível no acesso a saúde, a educação de qualidade, moradia, entre outros elementos. Estabelecendo um paralelo com a Alemanha que possui uma constituição mais sucinta, podemos perceber que a interferência do judiciário nos aspectos sociais é quase nula, uma vez que o Estado garante o direito mas ainda não o cumpre de modo pleno e igualitário.
“Os artigos 1º a 19 da Lei Fundamental de 1949 explicitam os direitos fundamentais na Alemanha. Basicamente, são reconhecidos direitos de liberdade (p. ex. liberdade religiosa, de crença, de pensamento, de expressão, de reunião etc), direitos civis (p. ex., o direito de propriedade), direitos de personalidade (p. ex., intimidade e privacidade, inviolabilidade do domicílio) e garantias processuais (p. ex., direito de petição e direito de ação judicial). O rol se assemelha, quanto à natureza, aos direitos previstos no artigo 5º, da Constituição brasileira.” (LIMA, 2007, p. 23)
A diferença marcante entre os dois sistemas, segundo Lima (2007) é o fato de que a Lei Fundamental de 1949, e ainda atual da Alemanha, não mencionar os direitos econômicos, sociais e culturais em nenhum momento em seu texto, mesmo embora tenha incorporado conceitos mais amplos e abstratos como o “Estado Social” e “dignidade da pessoa humana”. Esses conceitos são freqüentemente lembrados para fazer com que o Estado seja forçado a cumprir tarefas específicas de caráter social, ainda que não dêem margem para direitos subjetivos para sua realização. Segundo Krell (LIMA, 2007 apud KRELL 2002), a doutrina alemã se refere às normas sociais da Lei Fundamental de 1949 como “mandados” e não propriamente “direitos”18. De acordo com o mesmo autor, a Constituição brasileira, contudo, “não permite tal interpretação”, já que as normas constitucionais são, por expressa disposição constitucional, considerados como direitos fundamentais, “com todas as conseqüências dessa natureza”
O que em aparato jurídico nos faz estar em mais avançados, já que a constituição prevê um número maior de Direitos Fundamentais do que o do país europeu. No entanto o que ocorre para que estes direitos não se concretizem com eficácia? Seria ainda uma discrepância do ativismo judiciário brasileiro? Segundo Cunha Júnior (2014, p.3):
A expansão da atribuição do Juiz é, como se pretende demonstrar, uma exigência da sociedade contemporânea, que tem dele reclamado um destacado dinamismo ou ativismo na efetivação dos preceitos constitucionais, em geral; e na defesa dos direitos humanos e valores substanciais, em especial. Essa demanda social, fruto das novas condições sociais e econômicas, tem propiciado um crescente reconhecimento do fenômeno do controle judicial das políticas públicas[1], por meio de uma intervenção do Poder Judiciário na análise dos programas políticos do Estado, a fim de aferir o seu cumprimento em face dos princípios e regras da Constituição.
            Uma rápida explicação para a dificuldades de conceder os Direitos Humanos tais como os Fundamentais no Brasil pode ser o binômio “interpretação-concretização” tendo em vista que o papel do jurista, em matéria de direitos fundamentais, como coloca Paulo Bonavides (1998), não é simplesmente o ato de interpretar as normas que os da destaque, mas, sobretudo, torna-los ações concretas, em outras palavras, fazer com que eles saiam do papel e se tornem realidade.
            Uma problemática para isso talvez seja o fato de ainda ser muito recente que a própria Constituição de 1988 foi redigida em um período ainda recente, pós-regime totalitário, pois segundo Lima (2007) o período pré-88 foi nitidamente conservador e formalista, com a finalidade de assegurar o status quo.  Após 88, houve uma grande mudança de paradigma do Direito. Sob a égide da nova Constituição, o ordenamento jurídico do país teve que se adequar nitidamente e ter maior comprometimento com os Direitos Fundamentais e com as mudanças socias. Entretanto, é claro que estas mudanças não seriam de efeito imediato, a escola de Direito brasileira passou e ainda passa por uma lenta mudança de paradigma, assim como os próprios membros dos cargos que estes ocupam, uma mudança como esta não é rápida e nem simples.
“O próprio ensino jurídico torna-se mais progressista e, conseqüentemente, os profissionais do Direito, na medida em que vão assimilando esse novo espírito transformador, também se tornam menos formalistas e menos conservadores. É um saudável círculo virtuoso.” (LIMA, 2007, p.27, 28).
Por fim, Cunha Junior (2014) coloca que o Judiciário não esteá invadindo o espaço político dos demais Poderes com a construção e aplicação de seu ativismo no Brasil, porém, pela simples razão de que não existe exclusividade para espaço político num regime de cooperação de Poderes. O fato do Judiciário estar atuando deste modo é também pela questão da não atuação ou abuso dos outros Poderes (Executivo, Legislativo).
Considerações Finais:
Com o avanço do ativismo judiciário político em busca de promover o bem-estar social previsto na Constituição, as perspectivas de avanço dos Direitos Fundamentais assim como uma garantia do que é previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas é nítido que no berço, ambas as constituições tem algo em comum, enquanto a Alemanha tentou exorcizar os fantasmas do Nazismo com a Constituição de Bonn em 1949, o Brasil tentou com a Constituição de 1988 enterrar o que sobrara da Ditadura Militar no país, entretanto uma constituição não é apenas o que está escrita no papel, ela pode servir como um agente transformador, mas é necessário um tempo para que haja uma assimilação tanto dos cidadãos de seus novos direitos, quanto do próprio Judiciário para que estes se façam valer. Neste caso a Alemanha se encontra a algumas décadas a mais, pois, a Constituição, segundo Lima (2007) já faz parte dos indivíduos e há um sério compromisso com a mesma, enquanto o mesmo ainda não ocorre no Brasil.   

  
 






Referências:

ASSIS, Victor Hugo Siqueira de, O Controle Judicial das Políticas Públicas: A
Problemática da Efetivação dos Direitos Fundamentais Sociais. Journal of Law, Joaçaba, v. 13, n. 2, p. 283-296, jul./dez. 2012.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
1998.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle Judicial das Omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constituição. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador:
Juspodivm, 2010.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed., rev. atual. e amp., Salvador: Editora Juspodivm, 2014.

HUMENHUK, Hewerstton. Teoria dos Direitos Fundamentais. Universidade do Oeste de Santa Catarina. Joaçaba/SC. 2002.

LIMA, George Marmelstein. Proteção Judicial dos Direitos Fundamentais: Díalogo Constitucional entre Brasil e Alemanha. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2007.  

KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha
os descaminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2002.
PFEFFENSELLER, Michelli. Teoria dos Direitos Fundamentais. Revista Jurídica, Brasília, v. 9, n. 85, jun./jul, 2007

SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5414>. Acesso em jun 2014.








sábado, 17 de maio de 2014

Uma breve reflexão sobre o presente e o futuro.


O sucesso financeiro de uma empresa sempre esteve atrelada a qualidade da produção de seus trabalhadores, mas o inverso não é verdadeiro, o Mercado não é Deus, patrões não são faraós, e os trabalhadores não são servos. Logo quando alguém se diz "povo" e opina como se fosse "nobre" algo está claramente desconexo com o seu contexto e o seu momento histórico, a tolerância ao invés de caminho para o respeito vira um elogio ao separatismo levando a prática do imaginário de superioridade de indivíduos por serem o que são.

Encontra-se na luta pela manutenção do status quo, o mesmo que a luta pela sobrevivência de um homem primitivo. Pois não seriam os ataques diretos proferidos de modo irracional, ausentes de uma proposta e de uma reflexão sobre o debate, uma nova vestimenta para o tacape e a funda? Assim ao abrirem a boca para proporem algo, conseguem soar tão absurdos que preferem falar diante do espelho ou para os vales, onde os ecos fazem a sua parte, pois no fundo não propõem nada de novo, apenas uma nova forma tacanha de disfarçar o conservadorismo. O homem primitivo está em todos nós, mas foi a tarefa tanto da evolução quanto de intento das filosofias da metafísica, distanciar-nos com moderação do animal que somos, porém vez ou outra nos sentimos seduzidos a retornar.
      
Não atoa, paira nos ares deste lado do oceano e do lado de lá, uma espécie de "neo arianos", que odeiam por vocação e a seu ódio amam, a vida da polis não pode se tornar uma disputa hooligan. Espero que não esperem para refletir sobre os seus atos depois que nós, seus inimigos eleitos, estejamos todos mortos, seja lá essa consequência última, metafórica ou não.

Matheus Gansohr - Psicólogo. 

O ódio como estratégia política para vencer o PT


Por Ricardo Oliveira


Não é incomum encontrarmos manifestações de ódio ao partido que já soma 11 anos de governo, principalmente nas redes sociais; o Facebook, lugar onde todo tipo de histeria Macarthista é destilada, reúne da critica direitista tacanha a paranóia anticomunista. Nesta semana, os ânimos se exaltaram mais uma vez (a primeira no 1º de maio com o pronunciamento da presidenta) por conta de uma inserção do PT na TV, através de uma propaganda que alerta a população sobre os fantasmas do passado que estão a espreita; não deu outra, os raivosos acusam o partido de campanha terrorista.

O antipetismo está na moda e é alimentado pelas forças conservadoras e reacionárias, direitistas mordidos e carpideiras da ditadura, em parceria com a grande mídia (golpista) que apresenta a população a sua versão (tendenciosa) dos fatos, preocupada muito mais com campanhas negativas sobre o governo, que acabam demonstrando que de isenta não tem nada, pelo contrário, tem lado, partido e candidato.

A realidade, é que a direita não aceita de forma alguma o sucesso do PT a frente do país; é perceptível as diferenças e mudanças em onze anos de Lula e Dilma pós governos neoliberais; diferente do que os apóstolos do colapso econômico propagam, a sétima economia do mundo cresce sem abrir mão do social, do combate a miséria e da fome, da distribuição de renda, da geração de empregos e melhoria do salário mínimo, investindo no ensino superior e no ensino técnico e segue mantendo a economia estável.

Diante deste cenário, a direita deve fazer a sua reflexão e se perguntar o que resta para oferecer aos brasileiros e brasileiras; onde estão os seus projetos, onde estão as suas idéias? Uma oposição que se sustenta em calunias com o apoio dos meios de comunicação que trabalham incansavelmente para nos convencer que vamos de mal à pior, alimentar o derrotismo, a dúvida e a síndrome de vira latas. Não satisfeitos (por não conseguirem convencer ninguém, exceto os pessimistas), tomam o ódio como estratégia, odiar o progresso do país, odiar o PT, odiar a Dilma. Pelas redes correm conteúdos duvidosos que abusam do esvaziamento político com mensagens que estimulam muito mais a violência do que o convite ao debate de idéias; “Fora Dilma”, “Fora Petralhas”, exaltação a figuras como Joaquim Barbosa, Jair Bolsonaro, criticas infundadas à bolsa família, achismo, preconceito e senso comum, pode-se encontrar de tudo. Na TV assistimos os arautos da moral e dos bons costumes, que estimulam linchamentos e formulam opiniões de conteúdo reacionário, pura bravata sensacionalista de obscurantistas dedicados a confundir a opinião pública.

Nesta sincronia sinistra entre meios de comunicação oficiais e militância virtual, onde o objetivo é derrotar o PT a todo custo, a estratégia adotada é o ódio. Resta saber se nesta iniciativa, conseguirão emplacar seu candidato. Por outro lado, o PT deve fazer à autocrítica, avaliar as fragilidades na governança e estar pronto para assumir novos compromissos; em remodelar o seu dialogo com a sociedade, buscando aprofundar e qualificar esta relação com os diversos segmentos que a compõe.



Ricardo Oliveira - Psicólogo.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

POÉTICAS DO DIA-DIA. O Desenho de Leonardo Da Vinci

Por Rodolfo Carvalho

Publicado originalmente em Atelier Rodolfo Carvalho.

Dentre os inúmeros artistas aos quais eu dedico minha total admiração existe um espaço em meu coração para uns poucos que realmente norteiam minha vida de artista, mais especificamente no campo do desenho. Um deles, é de um homem florentino chamado Leonardo di Ser Piero da Vinci ou, Leonardo da Vinci como foi mais conhecido pelo seu trabalho. Sem dúvida era um gênio de sua época e um dos mais impressionantes artistas de todos os tempos, sem mencionar que o mesmo era um polímata, detentor de vários ofícios incluindo pintura, escultura, botânica, arquitetura, poesia, dentre outros. Entretanto o que mais me moveu para a figura de da Vinci foi a versatilidade e qualidade sem igual de sua trabalho gráfico personificado nas inúmeras facetas e técnicas de desenho.



A diversidade do seu trabalho era facilmente dividida entre os trabalhos que se agrupavam no campo do conteúdo e no campo técnico formal. Trabalhos intensos e em grandes quantidades marcaram a vida do artista podendo ser detalhados a partir dos trabalhos de sua juventude até os magníficos projetos para grandes obras e invenções fruto da sua maturidade como artista. Em sua totalidade podemos perceber a variação de técnicas como o giz de cor, a pena, o pincel, a ponta metálica e a sanguínea que marcou grande parte da obra do autor e, serve de marco para definirmos um determinado período que da Vinci abusou da técnica em dezenas de desenhos. Foi justamente com a sanguínea que da Vinci desenvolveu um estilo próprio de desenhar ao qual denominou “traços rápidos curvos” que dão delicadeza e elegância às suas peças diferente de qualquer outro artista de sua época.



Da Vinci acrescentou, também, o giz escuro em diversos trabalhos a fim de ressaltar traços mais específicos e detalhados criando uma atmosfera única em cada projeto trabalhando com maestria na luz e sombra, uma de suas técnicas favoritas.


É importante ressaltar, que a diversidade da obra de Leonardo está diretamente ligada ao seu estilo profissional plural. E era comum que ele trabalhasse em diversos projetos ao mesmo tempo de campos diferentes, portanto a diversidade atrelada à quantidade de desenhos do autor seja tão evidente.

Outro fator que chama atenção na obra de Da Vinci enquanto desenhista era a escrita invertida que gerou tantas interpretações polêmicas quanto equivocadas, passando de teorias completamente infundadas como rituais para afastar espíritos que queriam apossar-se de sua obra até a um uso consciente de um código secreto. Pura bobagem! Leonardo era canhoto e nunca negou isso. O uso da escrita invertida era, apenas, para não danificar o trabalho pois a tinta demora para secar e a escrita da esquerda para a direita poderia levar  a causar danos irreversíveis à peça. A obra era facilmente traduzida com a ajuda de um espelho.


Abaixo podemos ver inúmeros trabalhos do autor ao longo de sua vida variando desde os desenhos anatômicos até projetos tecnológicos avançadíssimos para sua época.



Referências

ZÖLLNER, Frank. Leonardo da Vinci, A Obra Gráfica. Taschen. 2011. Lisboa. Páginas (258-259).

http://www.drawingsofleonardo.org/
http://www.leonardoda-vinci.org/
http://www.universalleonardo.org/


Rodolfo Carvalho é artista visual, ilustrador e um fã declarado de Da Vinci.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

POÉTICAS DO DIA-DIA. O corpo pela ótica do karatê.

Por Rodolfo Carvalho


Sou artista visual a menos tempo do que artista marcial, praticante por mais de vinte anos nas estradas do Karate-Do, lecionei, mas hoje me vejo como um “maverick”(sem estilo definido), apenas me dedicando ao estudo indiscriminado da arte marcial pelo aspecto estético e poético, o movimento, as nuances, elementos vivos intrincados no vai e vem dos fundamentos. Tudo para complementar meus estudos maiores sobre o corpo e suas possibilidades físicas e simbólicas no universo das artes visuais.

Praticante de Karatê executando uma das suas composições de movimentos denominada de Katá. Na foto o karateka exibe movimentos do Katá de faixa preta Gankaku (A Garça sobre a Rocha).


Todo esse caminho oposto ao das regras absolutas da luta é um proposital engenho visando uma desconstrução do gesso formado pelos antigos praticantes que desejavam perpetuar toda a simbologia de suas vidas na ilha de Okinawa e no Japão. Entretanto, o mundo se transformou. O ocidente invadiu o oriente no final do século XIX e o oriente penetrou sutilmente encarnado nas inspirações dos impressionistas. Era um mundo que se apresentava elegantemente e se miscigenava aos poucos com suas culturas e muita coisa se transformou inclusive os estudos do corpo e a ótica que se tinha do meio-ambiente. Apartir de então, a Revolução Industrial na Europa desvalorizava o indivíduo e enaltecia a máquina como agente transformador seja no trabalho explorador das fábricas ou na política do recém surgido comunismo que também mostrava que o conjunto do proletariado era uma máquina poderosa de combate ao assim chamado “monstro da burguesia” que Marx e Engels tanto combateram. Do outro lado do mundo, o Japão fechava as portas para o ocidente após a Revolução Meiji e o fim do Samurais, mas tardiamente, pois os desejos e as facilidades trazidas pela indústria seduzira o povo japonês e isso refletiria em décadas no futuro. A China também se pronunciou com um fechamento ao mundo ocidental mas acabou criando seu próprio arcabouço revolucionário e desenvolveu um modelo industrial aproveitando seu poderio de trabalho baseado no número populacional. Mas, como isso tudo tem à ver com o estudo do corpo-mídia?

A expansão territorialista europeia não sairia barata, obviamente e com as décadas avançando e muitos conflitos sangrentos surgindo a cada intervalo de anos incluindo a Primeira Grande Guerra, logo chegaria o momento em que as forças dos Aliados enfrentariam o Eixo na Segunda Guerra. Mas o que é mais interessante é um determinado recorte desse momento, em 1945 quando os soldados americanos após lançaram a Bomba Atômica no Japão e tiveram seu primeiro contato com os primeiros pelotões que não retornaram. Foram homens que tiveram seus corpos perfurados aparentemente com golpes fortes, mas sabia-se que não eram com as afiadas katanas japonesas. Surgia o primeiro sinal da existência de algo que eles não estavam familiarizados. O corpo falava através de outros corpos.

O Clube de Karatê Acrópole foi uma das mais respeitadas associações da luta projetando para o cenário nacional figuras como o Hansho Ivo Rangel, ex técnico da Seleção Brasileira de Karatê.


Os anos passaram e as primeiras academias de artes marciais foram sendo abertas no ocidente, principalmente das de Karate, supervisionadas pelo núcleo da Nihon Karate Kiyokai, grande confederaçãoo de karatekas ao redor do mundo. Foi exatamente nos anos 50 que a expansão dessa arte chegou ao ocidente através dos ensinamentos de Hansho Ginshin Funakoshi, fundador do estilo SHOTOKAN de karate. Na verdade tratava-se de uma revolução, pois a mesma arte era restrita a poucas famílias em território japonês e o mestre Funakoshi buscou transformar os estudos da arte, elitizados pelas decadentes fameilias arrasadas pela Guerra em uma metodologia pedagógica avançada que compreendia uma prática não somente de uma luta mas uma educação do corpo, mente e caráter.

Fora desenvolvido para isso uma sistema próprio de graduação de faixas por cores separando os alunos de faixas coloridas (dangai) dos praticantes graduados faixas-pretas (kodansha-kai), possibilitando assim uma melhor divisão da metodologia de ensino através da distribuição do aprendizado de fundamentos (kihon), luta (kumite) e kata. Esse último aspecto, entretanto, que é o principal objeto desse estudo reflete o mais primoroso exemplo do corpo-mídia dentre da arte marcial paralelamente utilizado por outras lutas como kung fu ou muai tai.

O kata, pode ser definido formalmente como um conjunto de golpes sequenciados coreograficamente e que representam um momento, uma história ou homenageiem algum lugar. Todos esses movimentos são cuidadosamente pensados e se complementam como uma reação em cadeia e buscam provocar o praticante a desenvolver o autocontrole ao mesmo tempo que se comunica com o observador. Uma relação viva entre emissor – mensagem – mídia – receptor que garante uma precisão no uso do corpo que serve de ferramenta de comunicação.

Mas o que o corpo comunica?

A mensagem é a história contada em forma de movimento, mas não se resume a isso. A mesma história pode ser contada por dois praticantes que executam os movimentos ao mesmo tempo mas possui individualidades que variam da pessoa, do estado emocional ou do ambiente.

Este trabalho mostrará muitos exemplos acerca dessas movimentações e trará situações pessoais de como é vivenciar esses momentos. Espero que goste!


Demonstração conhecida como Jiu Ippon. É parte do processo pedagógico e andragógico no Karatê que movimentações que simulem combates sejam regularmente aplicadas em aula.



Fluir Como Água, Pisar Como Rocha.

Dentro do ensino do Karatê existe um método de aplicação ao qual denominamos katá. Uma combinação coreográfica definida de ataques, defesas, bases e esquivas que simulam uma situação de combate, uma homenagem a algum lugar ou algum mestre, ou uma sequência didática e metodológica.

Pelo estilo SHOTOKA desenvolvido pelo Mestre Ginshin Funakoshi somam-se um total de 26 desses movimentos, sendo os cinco iniciais voltados para o desenvolvimento pedagógico para iniciantes da arte.

Por décadas o Karatê era denominado Balé da Morte, devido a seus movimentos em alguns aspectos terem uma certa semelhança com passos de dança, porém nada próximo de sê-lo. A arte, desenvolvida na ilha de Okinawa para combater o exército do Shogun sem armas (que eram proibidas) expandiu-se pelo oriente e tornou-se um dos veículos de ensino no início do século XX em escolas e universidades desenvolvendo um novo estilo de aprendizado permitindo que toda a população do japão pudesse aprender e, algumas décadas depois viria a se espalhar pelo mundo.

Entretanto, os movimentos dentro dessa arte possuem uma função mais elementar: a de comunicar. Em Merleau Ponty, nosso corpo é a obra de arte em sua linguagem poética e para isso ele expressa constantemente sentimentos, ideias, desejos e angustias sem que nós usuários do mesmo tenhamos consciência disso. No uso dos movimentos do Katá não é diferente, pois o corpo é condicionado a uma sequência fechada mas que não pode contea capacidade do ser de exercer a sua resiliência e, a partir da mesma recondicionar o vaso que o contém.

Dentro da prática exercitamos o simulacro de Baudrillard embora não embasados em sua obra mas de fácil identificação com a mesma. Repetimos constantemente nossos movimentos que é possível a criação de uma consciência coletiva temporária no ato de fazer as movimentações com duas, três ou cinco pessoas ao mesmo tempo. Baudrillard diz também que o simulacro são “naturais, naturalistas, baseados na imagem, na imitação e no fingimento, harmoniosos, otimistas e que visam a restituição ou a instituição ideal de uma natureza à imagem de Deus”. Essa assertiva do autor nos mostra exatamente como se dá um dos processos de aprendizado do Karatê e, mesmo que possa parecer retrógrado no sentido da imitação, sabe-se que praticantes de atividades que envolvam o corpo comunicante que a repetição é um processo bem sucedido de absorção do conteúdo embora, hajam variações que podem ser adaptadas quando tratamos do movimento seja na explosão, na velocidade ou na potência do golpe de acordo com as várias possibilidades que a massa corpórea possa permitir.



Sobre o Grito "Não-Grito".

É comum em artes marciais presenciarmos os lutadores emitindo gritos uns contra outros no momento do combate ou nas demonstrações de golpes. Entretanto algumas coisas necessitam de explicação quando tratamos como “grito” o que não pode ser tratado meramente como tal.

O que chamamos de ‘grito” ou KI é um processo de canalização energética que desenvolvemos com o decorrer dos anos de treino que envolve o corpo inteiro desde a produção hormonal comandada pelo cérebro, as contrações musculares de quase todos os músculos do corpo até o golpe final acompanhado de uma reverberação vocal poderosa que funciona como uma resultante do impacto energético na superfície à qual o golpe está destinado. Seria como a chama do gás queimado numa plataforma de petróleo. A energia produzida é tanta que é necessário o escoamento de parte dela pois o corpo não suportaria visto que, no caso dos homens os testículos são recolhidos à cavidade pubiana e nas mulheres, os seios contraem, pressionando toda a região. O “grito” ou KI nesse caso, tem a função de regular esse processo de tensão que o corpo sofre para não causar danos físicos devido à repetição.

O grito ou "kiai" é bem mais que uma reação física das cordas vocais. Na foto, a karateka faixa preta emite a resultante da contração de quase todos os músculos do corpo. O grito nada mais é do que a liberação da energia acumulada que pode ser canalizada em um golpe, por exemplo.



O Uso Cotidiano

Pratica Karatê afeta positivamente o processo do corpo se comunicar gerando movimentos mais precisos e maior expressividade possibilitando melhor percepção de terceiros. A ciência contemporânea não reconhece oficialmente as idas e vindas dos fluidos energéticos que o corpo possui, pois ainda há uma ligação muito forte com a religiosidade em algumas culturas, principalmente no Japão onde o xintoísmo é a segunda maior religião e, devido à suas praticas animistas todos os praticantes de artes marciais adeptos dessa crença explicam o mundo através de seus dogmas. Entretanto, estudos são feitos constantemente para entender os limites do corpo e dessa fluidez de campos energéticos que constantemente usamos para executar tarefas cotidianas que envolvam tanto a força quanto o intelecto.

Para exemplificar, existe no Karatê, um fator chamado de Zanshin ou Espírito do Guerreiro. É um condicionamento mental e corpóreo que o praticante executa com a finalidade de isolar os campos de percepção ao seu roedor, eliminando o supérfluo e concentrando-se na sua tarefa.

Usa-se isso em práticas de coaching nas grandes empresas depois de observar o comportamento dos empregados durante algumas semanas. São separados por grupos, e, nestes grupos são introduzidos exercícios semelhantes ao do Zanshin para que sejam potencializadas características variadas de acordo com as dificuldades de cada um como maior concentração, polivalência, melhor filtragem nos sentidos e desenvolvimento das inteligências baseadas nos mesmos. É um processo longo mas com resultados surpreendentes , embora não disponha de números, podemos facilmente perceber no funcionamento de empresas como Ford, Toyota dentre outras.



Dor e Sofrimento Podem Ser Superados

Em março de 2013 sofri um acidente de carro, mas não tive nada de grave em termos ortopédicos, visto que houve apenas perda de parte muscular do pé direito. O momento do acidente é sempre muito chocante pois envolve uma invasão do corpo que está sendo mutilado e do cérebro que luta para processar informações que permitam que a pessoa continue lúcida.

Consegui passar nos dois testes com láureas, embora tenha me machucado bastante no tornozelo ocasionando um internamento de 2 meses. Entretanto algo me chamou atenção. Obviamente, não poderia provar a menos que passasse por diversas sessões com terapeutas de diferentes áreas para confirmar isso, mas confiante de que durante 20 anos eu pratico artes marciais, consegui manter controle do meu corpo e da minha mente ao ponto de poder me jogar por cima de minha mulher no momento dos três capotamentos que sofremos no acidente, manter a calma e serenidade para sair do carro, ainda que me arrastando e buscar socorro. Em outro momento de minha vida, com menos preparo, poderia ter ficado desacordado no momento do impacto que foi justamente do meu lado.

A prática das artes marciais permite que mente e corpo trabalhem em sincronia perfeita expressando em linguagem não verbal todos os nossos anseios. Talvez que possa explicar isso com a mais alta certeza é Harry Pross, quando afirma que o corpo é antes da máquina e ao mesmo tempo somos máquina, imperfeita, mas o mundo em sua imperfeição, é o que nos torna mais belos.


Eu busco diariamente praticar Karatê através dos movimentos mais sutis do dia-dia para mante rum equilíbrio físico e emocional pois oito meses ainda é pouco tempo e o choque foi muito forte para mim, mas acredito que mente e corpo trabalham para sarar feridas, não as crônicas somente, mas as feridas da alma que somente nós que sentimos a dor sabemos onde ela mais se dilacera.

Rodolfo Carvalho é Artista visual e ilustrador. É graduado faixa-preta de karatê e praticante calhorda de Muay Thai.





Bibliografia

BAUDRILLARD, Jean. Simulacro e Simulação. Ed Releogio Dágua. Lisboa, 1991.
PONTY, Merleau. Fenomenologia da Percepção. Ed Martins Fontes. 2 ed. São Paulo. 1991
RANGEL, Ivo. Estudos de Karatê. EGBA. 4 ed. Salvador. 1996
ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual. Ed Thomson Pioneira. São Paulo. 2005 

POÉTICAS DO DIA-DIA. Uma análise estética do universo político-social do MMA.

Por Rodolfo Carvalho

MMA ou Mix Martial Arts é uma invenção dos seres humanos em fins do século XX e início do XXI. Na época do famoso PRIDE ou como tão cordialmente chamamos aqui no Brasil "Vale Tudo", as lutas eram extremamente violentas e não haviam muitas regras e basicamente a proibição de chutar o saco do adversário era para que a luta durasse mais. Sendo assim, criaram um modelo de combate que misturasse diversos elementos de várias artes marciais num "big mac" de golpes. Foi justamente nessa época que surgia o UFC, que ninguém botou fé e acabou sendo o principal evento de MMA do mundo. Parabéns ao Dana White!


Anderson Silva - Lutador de MMA. Corre o risco de se aposentar por causa de uma séria lesão em uma luta.


Bom, na verdade o MMA nunca me surpreendeu enquanto arte marcial até porque eu não o considero assim. Lembro-me quando conversei com o Sensei Haroldo Daniel, irmão do Kyoshi Dorival Rangel, (ambos discípulos do Hansho Ivo Rangel) acerca da opinião dele (Haroldo) sobre o que ele achava do MMA. Obtive uma das respostas mais sensatas de um praticante veterano de Karatê: "quem é lutador de verdade não sobe ali". Na hora foi uma resposta meio impactante, pois era O EVENTO televisivo e todo mundo gostava. Mas, com o passar do tempo percebi, graças aos treinos com meu sensei e amigo Eliovaldo Carvalho como artes marciais tem muito maior relação com o termo "arte" do que com a prática marcial puramente. Me graduei faixa preta e lecionei por um curto período apenas interrompido pelas obrigações acadêmicas que me deixaram em uma decisão "salomônica" mas inevitável na qual não me arrependo embora sinta profundas saudades do Kodansha Kai. Com meu retorno às artes marciais, por indicação do meu amigo Tuchê, também faixa preta, passei a treinar com o mestre de Muay Thay e amigo Marcos Araújo cujos ensinamento ainda pretendo aproveitar assim que me recuperar totalmente. Bom e para que isso tudo? Eu, particularmente adoro treinar e dedicar mente, corpo e espírito ao treino por uma meta pessoal que não visa o confrontamento por recompensa em campeonatos. Nunca gostei, admito mas respeito meus irmão de faixa que competem bravamente no koto ou no ringue.


O Karatê se desenvolveu na Bahia através dos ensinamentos do mestre Yuchizo Machida.


Uma coisa que eu percebi nesse 20 anos de lutas é que todos os que fizeram parte dessa centelha de minha existência nunca visaram mais do que o auto aperfeiçoamento. Não desmerecendo o mestre Marcos Araújo, exímio lutador de MMA mas com uma graduação de mestre em Muay Thai, Full Contact e Jiu Jitsu. Ainda assim, vejo a batalha diária do mesmo enquanto educador e transformador para manter suas turmas e sua vida de atleta que não é nada fácil mesmo tendo uma forte empresa que patrocine suas atividades mas que não lhe dá nenhuma fortuna.


Tony Jaa - Um dos mais destacados artistas marciais da atualidade, protagonizou o filme Ong Bak.


O MMA me preocupa pois é um sonho que muitas pessoas querem alcançar mas que poucos sabem que não é nenhum sonho ser atleta de MMA. As dificuldades que um atleta chega passar antes do estrelato assim como durante, são absurdas chegando a danificar o seu corpo para que seus empresários possam garantir que as câmeras transmitam o modelo quase espartano de beleza e perfeição. O novo modelo de homem, ou como Galvão tão mediocremente falou: "os gladiadores do terceiro milênio". Por favor, né Galvão! Respeita os gladiadores!


Gichin Funakoshi, fundador do Karatê Shotokan, desenvolveu o sistema de faixas coloridas como metodologia pedagógica inserindo a arte secular nas escolas e universidades no Japão e no exterior.
Jigoro Kano desenvolveu o Judô, uma das artes marciais mais praticadas em todo o mundo e que participa dos jogos olímpicos consagrando o Brasil com diversas medalhas.


Eu continuo não sendo seduzido pelo MMA embora ache interessante explorar a "etimologia" dos golpes em uma luta e encontrar as conexões com outras modalidades, mas nada além disso. Se você quiser saber tudo, pratique individualmente cada uma. Ginchin Funakoshi desenvolveu um projeto pedagógico seríssimo no Japão pós Segunda Guerra com o Karatê e acredito que aprender a arte sem entender esse projeto deixaria o aprendizado com lacunas enormes, assim como Jigoro Kano e seu projeto com o Judô. Vivemos em uma sociedade que preza muito chegar ao pote com muita sede. Isso quase nunca dá certo. Quase sempre o pote derrama.

Rodolfo Carvalho é Artista Visual e Ilustrador. É faixa preta de Karatê e praticante calhorda de Muay Thai.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

MARGEM DE ÓTICA: Diabolus et Mulier.

Antes de qualquer coisa esse texto não visa justificar e nem concentrar toda a violência contra a mulher tendo está como causa central ou principal, mas sim fazer uma analise simbólica com apoio da psicologia Junguiana e um toque de acidez sobre o medo do masculino perante o feminino e o possível reflexo na violência social e doméstica mesmo em tempos de relevantes conquistas do feminismo.

Provavelmente para a mulher ocidental frente a uma sociedade regida principalmente pelos valores cristãos, o infortúnio começou ainda quando Adão e Eva perambulavam pelo paraíso, já que ela deu ouvidos à serpente da árvore do fruto proibido e não só comeu o tal fruto como ofereceu ao Adão, que muito otário, comeu também. Aliás, Adão, muito homem e corajoso, logo que Deus perguntou por que comera do fruto, culpou a mulher – se em Eva nasceu à primeira mulher a fazer besteira, com certeza em Adão nasceu o primeiro X9.   

E Deus disse: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?
Então disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.

 Aí que começa toda a história da humanidade segundo a Bíblia e a mulher, apontada pelo primeiro X9, levando toda a culpa que recairá sobre todas as suas herdeiras por ter sido enganada pela serpente - que sabe-se lá quem foi que colocou no paraíso. Não o suficiente os cristãos excluíram-na da formação Pai-Filho-Espírito Santo e da Santa Ceia, e justamente por não terem sido convidadas ao banquete de pão e água de Jesus que o finado papa polonês João Paulo II justificou o fato de mulheres não terem direito ao sacerdócio. 

Já para o médico suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961), os cristãos omitiram um quarto elemento, mesmo tendo discussões seculares sobre o tema. Segundo médico suíço a formação da Santa Trindade simbolizam os aspectos do consciente enquanto que o quarto elemento seria do aspecto inferior (não em juízo de valor, mas como do mundo interno, ou seja, o inconsciente), este quarto que Jung citando Goethe diz “pensar por todos os outros”. Jung foi buscar esse pensamento (não só) na filosofia antiga, entre os pitagóricos e o juramento tetraktys, que bebia dos helênicos e que se espalhou por diversas culturas ao redor do mundo como sendo um arquétipo global e atemporal como julgamento da totalidade (quatro pontos cardeais, quatro castas na Índia e quatro caminhos para a evolução espiritual no budismo).

Então por que o cristianismo não levou o quarto elemento? Jung propôs que o conceito trinitário de Platão fosse similar ao cristão, ao qual este atribuía as qualidades do Bem e do Belo, assim retirando o Mal e o Imperfeito. Na lógica cristã o Mal é a privatio boni – a privação de um bem, o que nesta formula clássica nega que o Mal tenha existência absoluta e o transforma em sombra que goza somente de uma existência relativa dependente da luz. Após um aprofundamento sobre o tema Jung também nos leva a reflexões acerca do simbolismo do Bem e do Mal contidos no paradigma cristão e em sua formula quaternária, em que a maioria, com um pequeno empurrãozinho, pode notar que o Mal é sobre Lúcifer, o Diabo ou o Demônio – como preferir.

Mas aonde entra a mulher nesse tema? A iconologia da Idade Média desenvolvendo as especulações sobre a Mãe de Deus (ou Jesus), imaginou um símbolo quaternário, mediante a coroação de Maria e o introduziu levemente no lugar da Trindade, significando que o corpo e a alma de Maria foi ao céu. Está é hoje uma doutrina aceita pela Igreja, embora não tenha sido fixada como dogma. Porém - no universo simbólico - Jesus obviamente ocupava um nível diferente de Maria, pois ele era também Deus enquanto Maria já que seu corpo era matéria. Desde o filosofo pitagórico Timeu o quarto elemento implica uma “realização”, ou seja, a passagem para a materialidade cósmica está submetida ao Príncipe deste Mundo. Em outras palavras, já que a Matéria é o oposto do Espírito, então está é a verdadeira morada do Diabo, com sua fornalha no interior da terra enquanto espírito paira no éter, sem problemas com a gravidade terrestre. Obviamente que seria uma leviandade dizer que Jung era machista ou feminista, mas em tempos em que se deve justificar o óbvio, digo que Jung era um homem a frente do seu tempo sem sair de seu contexto histórico, já que o mesmo propunha que o homem e a mulher devem encontrar dentro de si os seus opostos e assim irem de encontro à individuação.

Nesse processo simbólico não é de um todo estranho imaginar os fundamentos que levaram inúmeras mulheres a fogueira na Idade Média. Já que na Trindade a mulher continuou na sombra e é na sombra o Mal espreita sem ser reconhecido em nós. Durante os séculos medievais e renascentistas a Igreja conseguiu criar o arquétipo humano do Mal absoluto, encarnado nas feiticeiras do sabbat, as quais deveriam ser purificadas pelo fogo! O homem medievo temia tanto o poder feminino que quando este se punha a ter poderes através da magia criou o tribunal da Inquisição e foi até aonde o vento faz a curva em busca de um X9 (herdeiros de Adão?) que denunciasse alguma mulher.

Os médicos da época medieval e renascentista seguiam a percepção cristã sobre as mulheres de que estas eram mais facilmente acessíveis ao Diabo e que através delas ele complicava a vida dos pobres homens. Durante muito tempo os médicos trabalhavam dentro do conceito dos humores e separando os homens e mulheres nos seguintes aspectos primordiais: quente e seco e úmidas e frias. Segundo o médico Laurent Joubert (1529 – 1583) “a mulher nasceu para o repouso, para a sombra, a coberto de sua casa (...) cabendo-lhe ser cuidadosa com a sua beleza natural, para com ela dar honestamente prazer a seu marido (...) é para isso que Deus criou a mulher, companheira do homem, mais bonita e pequenina, imprimindo nela um curioso desejo de conservar sua beleza a fim ser mais agradável a ele”. Joubert, homem de seu tempo e adepto do conceito dos humores dizia a cerca virtude da prudência: “acredita-se que ela seja causada pela secura, assim como a umidade e a maleabilidade causam a tolice. Por esta razão os homens são naturalmente mais sensatos que as mulheres (...)” e é por isso que “depois do jogo amoroso, que todos os homens praticam, o espírito fica abatido e eles se tornam tristes: porque não só se ressecam com ele, mas também se resfriaram, pela subtração de uma substância necessária às partes”. Mas para reafirmar o elo com todo o simbolismo cristão da época a cartada vem do livreiro e editor Guillaume Bouchet (1515 – 1594) com conhecimentos também sobre medicina afirmou que “a mulher muito bonita, está fria e úmida no segundo grau, sendo feita de matéria bem apimentada e obediente a Natureza, isto é, um signo de que ela é fecunda e pode engravidar, sendo um temperamento próprio e conveniente a isto: e por esta razão ela corresponde a todos os homens e todos os homens a desejam”. Enquanto para as feias Bouchet diz “não se amam as mulheres feias porque na maior parte das vezes elas são bruxas, pois o provérbio comum diz: feia como uma bruxa”.

Existem ainda inúmeras outras analogias feitas por médicos da época, alguns associando a questão da umidade feminina e sua fecundidade com a lua entre outras coisas. O que sobrou hoje no nosso universo simbólico foram provavelmente formas arquetípicas de mulher com a qual não sabemos lidar. Voltando a Jung, ele propunha que todo homem tem uma anima (e toda mulher um animus), que seria o representante arquetípico do gênero oposto dentro de si e é esse o simbolismo interno de mulher que serve de referência ao homem. Notando que atualmente os homens estão em conflito com os avanços das mulheres naqueles que eram seu nicho particular, esse novo modelo de mulher confronta a referência arquetípica interna e arcaica masculina construída através dos séculos e reativa o medo Inquisidor, dessa vez com a sofisticação do século XXI. Inseguros de não sermos mais necessários e da independência daquelas que deveriam fornecer o repouso do guerreiro, estamos órfãos e não sabemos para onde ir e despertaram o Diabo em nossas almas.

Que este texto sirva como uma homenagem a todas as mulheres. No meu inferno, já abracei a súcubos há muito tempo. Obrigado por existir dentro e fora de mim.